quarta-feira, 30 de setembro de 2009

DARWIN


Darwin nasceu há 200 anos e quando tinha 50 anos publicou a sua obra prima: A Origem das Espécies por selecção natural…. Nesta obra, vinda a público em 24 de Novembro de 1859, Darwin operou uma revolução científica, apresentando-a como “um longo argumento” a favor de um novo paradigma da história natural, a teoria da descendência com modificações por selecção natural. Na teoria darwiniana, as espécies vegetais e as espécies animais, incluindo a espécie humana, reproduzem-se tão rápida e abundantemente que a luta pela vida é inevitável: luta entre indivíduos da mesma espécie, luta entre indivíduos de espécies diferentes, luta com as condições físicas da vida. É o poder de multiplicação das espécies que gera a luta donde resulta a sobrevivência dos mais aptos e a eliminação dos menos aptos, ou seja, a selecção natural das variações vantajosas e consequentemente a evolução adaptativa. A luta é fundamental mas a matéria prima sobre a qual opera a selecção natural é a variação. A selecção natural é muito mais do que um mecanismo de preservação das variações individuais favoráveis ao processo adaptativo e eliminação das variações nocivas; é um poder criador sem projecto apriorístico tal como é notório no diagrama da árvore da vida construído por Charles Darwin.

Recorrendo a uma obra marcante de François Jacob, O jogo dos possíveis. Ensaio sobre a diversidade do mundo vivo ( Lisboa, Gradiva, 1985) e que merecia uma nova edição em português, diremos que as variações são integradas e dispostas "em conjuntos adaptativamente coerentes, ajustados durante milhões de anos e milhões de gerações, em resposta ao desafio do meio ambiente. É a selecção natural que […] lentamente, progressivamente, elabora estruturas cada vez mais complexas, órgãos novos, espécies novas"(p. 34). Na "bricolagem da evolução"(p. 57-97), os factores decisivos são a aleatoriedade das variações e a constante interacção dos organismos com o meio e é este jogo atravessado pela contingência que estrutura toda a história da vida. Pelo exposto compreende-se que a teoria da descendência com modificações por selecção natural se demarca dos teleologismos vitalistas, quer das teorias transformistas anteriores, quer do fixismo essencialista tradicional. No dizer de François Jacob "a concepção darwiniana tem, por isso, uma consequência fatal: o mundo vivo actual, tal como o vemos à nossa volta, é apenas um entre muitos possíveis. (…) Poderia muito bem ser diferente. Poderia mesmo não existir"( p.34-35).

Darwin constata a luta dos seres vivos entre si, pelo território, pelo alimento, pela descendência, sendo a sobrevivência dos mais aptos (selecção natural), isto é, daqueles que apresentam variações úteis e vantajosas, o alicerce da diferenciação genealógica por divergência e isolamento. No paradigma darwiniano, o mundo vivo não traz as marcas da necessidade e da harmonia perfectibilista nem é o único/o melhor dos mundos possíveis, como acontece no transformismo de Lamarck. Traz sim as marcas da aleatoriedade, da contingência, da imprevisibilidade, da imperfeição e do improviso. Meio século depois da Philosophie Zoologique (1809) de Lamarck, o paradigma darwiniano revoluciona tanto o criacionismo essencialista como o transformismo lamarckiano.

A revolução científica de Darwin foi possível graças a um conjunto de factores de natureza diversa, entre os quais, sem dúvida, temos de sublinhar os progressos realizados nas ciências da terra e da vida, na primeira metade do século XIX. É o caso dos Principles of geology (1830-1832), de Charles Lyell e da sua doutrina das causas actuais ou actualismo/uniformitarismo. Um bom nível de conhecimentos de geologia, biogeografia, paleontologia, embriologia e outras, a viagem do Beagle, o princípio da população de Malthus, a ansiedade provocada pelo texto do naturalista A. R. Wallace em 1858, o génio de Darwin, eis alguns dos factores mais apontados para explicar a revolução darwiniana nas ciências da vida e do homem. Como nas revoluções científicas operadas por Newton em 1687, por Planck em 1900, por Einstein em 1905, também Darwin demorou cerca de vinte anos (1839-1859) a construir e a tornar pública a teoria da descendência com modificações por selecção natural. A sua obra A Origem das espécies difundiu-se por todo o mundo em onze línguas até à morte de Darwin em 1882, e num total de vinte e nove línguas até 1977. Cerca de 12 anos depois, Charles Darwin aprofunda o "longo argumento" de 1859, particularmente em relação à espécie humana, em A Origem do homem (The descent of man, and selection in relation to sex, 1871) e A expressão das emoções (The expression of the emotions in man and animals, 1872). Na nossa perspectiva, Charles Darwin, mesmo reconhecendo e afirmando o seu desconhecimento das leis da hereditariedade, continua nestas obras um imenso trabalho de argumentação a favor da teoria da descendência com modificações por selecção natural, mais conhecida por teoria da evolução.

Júlio Augusto Henriques, Professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, foi o introdutor de Darwin em Portugal com duas obras publicadas pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 1865 e 1866 e que se intitulam, respectivamente, As espécies são mudáveis?; Antiguidade do Homem. Nos seus trabalhos, o futuro director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, analisa todas as provas da teoria darwiniana: as provas geológicas, paleontológicas e biogeográficas, as provas da anatomia comparada, da morfologia e da embriologia disponíveis na época; as ilações tiradas da selecção artificial e do hibridismo, etc. Também revela que inteligiu fielmente a ideia darwiniana de evolução, não a confundindo com a ideia de progresso necessário e teleológico, nem vendo no seu mecanismo — a selecção natural — algum demiurgo com intentos pré-determinados. Na sua Antiguidade do homem (1866), escreve: "Nenhum acontecimento notável, nenhuma circunstância extraordinária acompanhou a aparição do homem. Já a maior parte da flora actual existia, bem como muitos dos animais, que hoje se conhecem. Não foi necessária nenhuma dessas grandes revoluções que a geologia imagina. No decorrer do tempo, num momento da vida da terra, apareceu ele como milhares de seres que o tinham precedido, para talvez desaparecer, como desapareceram muitos animais seus contemporâneos nos primeiros tempos, e como muitos que hoje vão desaparecendo". Júlio Augusto Henriques compreendeu cientificamente o homem como um ser vivo entre os demais seres vivos, animais ou plantas, que, como eles, não tem algum "destino", mas uma existência precária ameaçada por múltiplas contingências.

ANA LEONOR PEREIRA - Associada da ALTERNATIVA

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

ESTRATÉGIAS FEMININAS NUMA RELAÇÃO CONJUGAL DE CONVENIÊNCIA

A propósito do eterno lamento feminino sobre a vida conjugal, pautada pela indiferença do companheiro, sem estarmos a falar de violência doméstica, surgiu-nos à memória uma obra, The Voyage of John Huyghen Van Linschoten to the East Indies, escrita pelo holandês John Huyghen Van Linschoten, no longínquo ano de 1598. Este homem viveu em Goa durante vários anos, muito próximo das autoridades portuguesas (vice-rei e bispo), tendo recolhido abundante informação relativa a negócios, redes marítimas de comércio, hábitos e costumes portugueses, entre outras. Obviamente, como bom patriota, passou a mesma às cúpulas políticas e mercantis holandesas, que as souberam aproveitar de forma magistral para fazer a sua entrada no Mar da China e Sudeste Asiático, deixando a gente lusa numa situação bem subalterna na geografia dos negócios. Numa análise imparcial e tendenciosamente justa, devemos fazer referência às atitudes holandesas por aquelas latitudes, que souberam conjugar esforços, conhecimentos e imaginação. O azar para o lado português – para não falar em azelhice – saiu reforçado com o espírito de observação e acuidade auditiva do tal holandês, rival infiltrado nas hostes portuguesas de então.

As manobras de êxito holandês e os desaires portugueses em terras do outro lado do mundo não vêm agora ao caso, mas sim aspectos de os destros documentos, redigidos por Linschoten. Dizia ele, informando sobre hábitos e costumes femininos que iam desde o hábito – que classificaríamos hoje de péssimo – de mascar as folhas de bétel, para uma verdadeira assepsia da boca, até às estratégias femininas para obter alguma recompensa na vida íntima, sempre tão distante e fria de prazeres e afectos. Neste último campo, as infelizes casavam sempre por decisão familiar, decisão motivada pelo desejo sincero de as ver amparadas, uma vez que os parentes masculinos falecessem, ou para estabelecerem alianças entre as famílias. Elas seriam assim como um valor de troca, que se dispunha consoante os interesses familiares. Desta forma, o feminino arranjou formas de garantir algum consolo nas tardes e noites de solidão, isto partindo do princípio que as manhãs eram utilizadas para o trabalho. Assim, as ditas mulheres, que o holandês chama a atenção para o facto de haver portuguesas entre elas, utilizavam certas ervas, que se destinavam a esconder situações de adultério. O elemento vegetal em questão era a erva Dhattura (planta espontânea em quase toda a zona da Índia, igualmente chamada de figueira-do-diabo ou erva-dos-feitiços) que, uma vez ingerida, fazia com que a pessoa ficasse num estado hilariante, perdendo a consciência do que se passava à sua volta. Mesmo posteriormente, após a recuperação – espontânea ou se a face fosse molhada com água fria – e a eliminação dos efeitos nocivos da droga, não tinham memória do que lhes haviam feito ou dito. Nesses momentos de ausência momentânea, as mulheres aproveitavam então para se encontrarem com os seus amantes, para escarnecerem dos seus maridos ou até mesmo para os matar, atribuindo culpas aos seus apaixonados. Nem sempre essas mortes eram premeditadas, pois a dita erva tinha de ser utilizada com conta, peso e medida, dada a sua toxicidade. Uma folha a mais podia provocar a morte, inadvertidamente, e nem sempre valia a pena eliminar o cônjuge, pois este garantia-lhes o sustento e conforto de lar. Buscavam, essas mulheres o afecto, o prazer e a satisfação íntima, possível.

Tais situações já não se colocam nos nossos dias, pois o estatuto feminino mudou. No entanto, muitas mulheres continuam a viver situações que as levam ao eterno lamento que referimos, no início do texto. Isso leva-nos a pensar que se a erva Dhattura existisse pelos jardins, quintais e vasos de plantas ornamentais caseiras, poderia ser utilizada tão frequentemente quanto era em Goa nos finais do século XVI ?!

      BURNELL, Arthur Coke - Linschoten, John Huyghen Van, The Voyage of John Huyghen Van Linschoten to the East Indies (1598). New Delhi: Asian Educational Services, 1988, Vols. I e II.

ANABELA MONTEIRO - Associada da ALTERNATIVA

domingo, 20 de setembro de 2009

OS DEBATES II (Percepções)


Nos meus tempos de juventude, católico praticante, irritavam-me os colegas de liceu que tentavam denegrir e desvalorizar a Igreja Católica, apontando o padre X que tinha uma amante, ou o padre Y que já tinha filhos. Explicava-lhes que era injusto julgarem a Igreja Católica no seu todo, por um padre, em mil. Porque me apontavam um padre específico, que falhara nos votos de castidade, e esqueciam (ou premeditadamente ignoravam) os outros 999 que se tinham mantido fiéis aos votos professados?

Mas é assim a natureza humana. É mais fácil memorizar e atacar a árvore (doente) do que escrutinar toda a floresta (saudável). E a natureza humana não faz excepções, nesta visão. Por isso, nos debates entre os líderes dos cinco partidos com assento na Assembleia da República ficou também claro os que têm árvores (doentes) no seu histórico.

Desde logo, José Sócrates. Um Primeiro-Ministro (e Secretário-Geral do PS) que tomou decisões e fez aprovar medidas que engrandecem e valorizam o debate político (debates quinzenais do governo com a oposição no Parlamento) e a transparência na administração pública (ex.:Observatório das Obras Públicas – onde qualquer cidadão pode consultar os contratos celebrados pelo Estado e os ajustes directos), não podia ter feito a concessão da exploração do Porto de Lisboa por ajuste directo. Muito menos a uma empresa (Mota-Engil) liderada por um “ex” destacado dirigente do PS e ex-ministro de governos socialistas. E não basta argumentar que os pareceres e os estudos do ministério diziam que o ajuste directo era a melhor solução. Porque nem os eleitores os vão ler, nem sabem a que conclusões tinham chegado porque José Sócrates também nunca as referiu. À mulher de César…

Depois, Manuela Ferreira Leite. Uma Presidente do PSD que pretende mostrar ser mais “séria” e honesta que os outros líderes partidários não podia ter apontado a Madeira como exemplo de democracia livre de pressões e tendências controleiras, por contraponto com a suposta asfixia democrática que diz existir em Portugal continental, por culpa do governo. O ridículo tem limites. Ou deveria ter…

Por fim, Francisco Louçã. O coordenador do Bloco de Esquerda deixou transparecer tiques que julga (e se julgava) existirem apenas nos outros líderes. Afirmar que o governo fez a concessão directa da construção de uma auto-estrada (outra vez à Mota-Engil) quando a concessão foi anulada, e insistir na afirmação mesmo depois do desmentido, categórico e provado, por parte do Ministérios das Obras Públicas, mostra duas coisas: que lhe parece que os fins justificam os meios, e que uma mentira, muitas vezes repetida, acaba por se tornar uma verdade. Afinal, não são só os outros…

Salvaram-se desta percepção sobre as “árvores doentes”, os líderes do CDS-PP e do PCP. Paulo Portas utilizou bem a capacidade oratória e retórica, e foi fiel ao que foi dizendo ao longo dos últimos quatro anos. Jerónimo de Sousa foi tudo e foi nada: foi igual a ele próprio, e foi tão “cinzento” que quase não se deu por ele.

JOAQUIM ANTÓNIO - Associado da ALTERNATIVA

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

"POR COIMBRA" ... (COM DESPREZO?)

A Urbanização onde vivo desde 1999 (Gorgulão 1, à Estrada de Eiras) não foi devidamente acabada pelo urbanizador. Após alguns anos de diligências pessoais junto dos Serviços Camarários, os Administradores do Condomínio apresentaram um requerimento ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra em 13/10/2005, solicitando a execução da Caução do urbanizador e a assunção, pela Câmara, da conclusão dos trabalhos em falta. Embora não tivesse dado resposta a esse requerimento, o Executivo Municipal, pela Deliberação n.º 189/2005, de 14/11/2005, decidiu proceder conforme o requerido.

Subsequentemente, e até 2 de Abril de 2008, foram efectuados pedidos escritos ao Sr. Presidente da Câmara para informar o Condomínio sobre a data provável em que se iniciariam as obras. Contrariando as normas legais, as normas do bom senso e as normas da boa educação, nenhuma resposta foi obtida!

Em 30 de Maio de 2008, decorridos que estavam 2 anos e 4 meses sobre a Deliberação do Executivo Municipal, os administradores dos Lotes apresentaram queixa à IGAL- Inspecção-Geral da Administraçãoi Local. Esta, respondeu em 12 de Junho de 2008 dizendo ter solicitado esclarecimentos ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra . Três meses depois, pediu-se à IGAL informação sobre o resultado dessa diligência e em Outubro de 2008 a IGAL informou estar a aguardar os esclarecimentos pedidos à Câmara. O Condomínio insistiu no pedido em 16 de Janeiro de 2009, mas a IGAL, talvez para não revelar estar a ser desrespeitada, já não respondeu.

Perante um quadro destes, os Administradores do Condomínio enviaram em 30 de Junho de 2009 uma exposição ao sr. Governador Civl de Coimbra, acompanhada pelos necessários documentos, solicitando-lhe que diligenciasse no sentido de levar a Câmara Municipal a prestar a informação que lhe vem sendo pedida desde há mais de 3 anos e que mandasse executar as obras em falta na Urbanização, conforme por ela decidido em Novembro de 2005.

Registe-se que, pela concessão do Alvará n.º 375, de 24/08/1995, a Câmara Municipal de Coimbra recebeu do urbanizador 19 171,4 m2 de terrenos, dos quais, além de 5 562 m2 para ceder ao IC2 e 1 938,4 m2 para ligação e alargamento da Estrada de Eiras, reservou 4 463,5 m2 para zonas verdes da Urbanização... Quem está verde (de desilusão e arrependimento) são os Munícipes que aqui compraram os seus Andares e aqui vão morrendo sem novidades de maior...

.Não sabemos se o sr. Governador Cilvil fez a diligência pedida. Sabemos, sim, que, passados quase 3 meses, os seus serviços administrativos nem, sequer, acusaram a recepção da exposição apresentada (salvo o carimbo que apuseram na cópia desse documento). Mas sabemos também que, neste caso (como em muitos outros), o Executivo Municipal de Coimbra manifestou um reiterado desprezo pelos legítimos direitos dos seus Munícipes e, soberba (ou soberana?), nem respeita os seus deveres para com a Inspecção-Geral da Administração Local! É a tradicional “cultura” do faz-de-conta...

Apetece perguntar: será que, para lá de palavras mansas e de vazias promessas de amor, por Coimbra não vai, mesmo, mais “nada, nada, nada?”!...

Que não “venham mais 5” do mesmo!

Júlio Correia - Amigo da ALTERNATIVA

(16/09/2009)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

VERÃO (Crónica)

A tarde cálida suga-me as forças. Mergulho no jornal, à sombra das videiras do quintal, e ali fico a percorrer notícias de incêndios, assaltos e acidentes.

Olho as videiras que me dão sombra. Já cá estavam quando nasci. E vão ficar, cada vez mais velhas e podres, nos anos que vierem. As uvas, que orgulhavam os avós, estão agora cheias de moléstias que não deixam crescer os bagos. Têm falta de calda, é um crime, dizem as visitas, o senhor é um desleixado, mas eu já não herdei o saber de as tratar nem o gosto de aprender. Sou da geração que apenas soube esbanjar o que ficou e o que devia legar.

Sem me dar conta estou no lugar que o meu pai ocupava quando as forças começaram a faltar-lhe. À minha frente está vazio o lugar da minha mãe que aos oitenta anos colocou Saramago no seu devocionário e começou a devorar-lhe os livros com a pressa de quem sabe que escasseia o tempo.

Os anos vão passando. Não sei por que razão regresso onde fui feliz, onde estes espaços sempre foram reservados, para sofrer com o lugar que ora me cabe.

A vida é um privilégio que rapidamente se esgota e a morte uma injustiça irreversível.

Numa rua próxima passa a procissão. Ainda vem gente para sacudir o pó aos santos e levá-los a laurear pela vila por entre cânticos, orações e foguetes. Não sei o que pensam as pessoas que seguem o arcipreste e as que lhe seguram o pálio, nem que sentido tem a custódia erguida para o céu que abandonou as gentes e as aldeias que esperam o sumiço da última geração dos lugares onde nasceu.

Apesar da exuberância do Verão, o equinócio virá aí com as folhas a tecerem a manta morta que cobre os campos e o Outono da vida esgota-se aos que ficaram e vão partindo sem que alguém ocupe o lugar que deixam. Não há herdeiros que reclamem tal herança.

Talvez por hábito, ainda volto, de vez em quando, quem sabe se para me deixar apanhar à falsa fé e desaparecer onde surgi.

Deambulo pela vila em busca de gente como náufrago à procura de terra firme. Aguardo o lusco-fusco para que os corpos cansados apareçam em busca da brisa e dos restos de vida que ainda deve haver dentro das casas arruinadas que a autarquia se encarrega de caiar por fora. As lojas continuam abertas, com prateleiras cheias de coisas que ninguém pede, portas à espera de alguém que entre, enquanto os proprietários as não franqueiam para sair. Onde param as pessoas que restam, aquelas que ainda querem tirar da terra a comida que há-de faltar?

Definitivamente, não se vê vivalma. Só dentro das casas se encontra gente, as pernas já não aguentam, à espera de familiares que não aparecem. Amanhã é domingo, talvez venham muitos, roídos de saudade e de remorso. Há uma nova procissão, em honra da Senhora da Barca, que conserva a veneração apesar de avara nos milagres e indiferente aos que deixam as terras, a fé e a vida.

O dia nasceu calmo. No lar da Misericórdia os velhos tomam banho e biscoitos no leite da manhã. Alguns já foram avisados dos percalços que retiveram os filhos. Uma velhota cheia de alegria e de lágrimas olhou com orgulho os colegas e gritou, são os meus netos, enquanto se amparava nas muletas em direcção ao filho que a viera mostrar. Deram-lhe dose reforçada de insulina, hoje abusará, tem o filho e os netos, vão insistir que coma, terá sobremesa, que lhe faz mal, e a nora que não lhe quer bem.

Esquece as dores reumáticas e as articulações, entra para a parte de trás do automóvel e beija os netos que prosseguem os jogos electrónicos e perguntam se o almoço demora.

Queixa-se a velhota de que os campos estão abandonados, este ano já não apanha a azeitona, perdeu-se a vinha grande, os pastores derrubam as paredes, chegam-lhe ecos de que ninguém respeita os prédio e o monólogo acaba interrompido com a reprimenda azeda da nora, devia ter vendido, queria viver para sempre, agora ninguém lhes pega.

Ó mãe, as viagens ficam caras, a vida não está fácil, eu sei meu filho, cada vinda custa mais de duzentos euros, os miúdos faltam à piscina, faltaram aos anos do amigo, lindos meninos que vieram ver a avó, que Deus os abençoe. Reprime as lágrimas e remexe os bolsos a apalpar duas notas de vinte euros que reserva para os netos, não se evaporem.

Depois de pesado silêncio o carro detém-se à porta do restaurante. Os miúdos correm para a entrada, a nora vem abrir a porta à sogra enquanto olha a linha do horizonte e espera o marido para içar a mãe que sai penosamente com o reumatismo, as articulações e a fractura do colo do fémur a cobrarem-lhe a visita.

A refeição é demorada, o serviço é lento, a empregada recita a ementa, não há muito por onde escolher, eu como qualquer coisa, os miúdos exigem bife, batatas fritas e ovo, o pão vai servindo como redutor de ansiedade para o repasto que demora, a nora diz que comia melhor em casa, escusava de percorrer quatrocentos quilómetros e outros tantos que há-de fazer no regresso, lá chegam o bacalhau e os bifes, ó mãe beba menos água que lhe faz mal, avó limpe a boca, tanto ruído, a refeição avança, vem mousse de chocolate para todos. Dois cafés e a conta.

Ó mãe, já não passamos lá por casa, vamos deixá-la no lar, eu sei que queria ver as suas coisas, ainda queremos chegar de dia, já nos vimos, sabe como é, cada um gosta de estar na sua casa, ó menina traga-me a conta, da próxima vez vimos de véspera, estamos mais tempo, nem penses, bem sabes que não durmo na casa da tua mãe, o esquentador não funciona, a água sai suja, as camas necessitam de ser mudadas, é boa vontade fazermos oitocentos quilómetros num só dia.

Não tardou a ver-se amparada por uma criada, à porta do lar, enquanto fazia adeus aos netos e o filho abanava o braço esquerdo pela janela do carro em movimento. Procurou o lenço no bolso, trouxe com ele duas notas de vinte euros, ai a minha cabeça, afligiu-se com o descuido, os netos já iam longe e a porta esperava que ela entrasse para se fechar.

Lá estavam os amigos habituais, nenhum indagou como fora o dia, os velhos adivinham os dramas, conhecem as mágoas das visitas, sabem o estorvo que são e contam as horas, cada vez menos felizes, sempre mais pesadas.

Aguardam com ansiedade as visitas que não chegam e, quando o fim-de-semana expira, sentem o alívio de não terem vindo. Para a separação definitiva, nada melhor do que as ausências cada vez mais longas. É a vida. A morte é o acto que ainda falta para rematar a tragédia.

CARLOS ESPERANÇA

Associado da ALTERNATIVA

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

OS DEBATES I


Comecemos pelo princípio: é positivo, para o esclarecimento dos cidadãos e para a democracia, que os líderes dos partidos com assento parlamentar tenham chegado a acordo para realizarem debates a dois, entre todos. É igualmente de assinalar que o actual primeiro-ministro (apesar de uma hesitação inicial) tenha acabado por aceder a fazer o que outros primeiros-ministros, na história recente da nossa democracia, recusaram: debater com os líderes de todos os partidos que têm presença na Assembleia da República.

Dito isto, analisemos o comportamento de todos eles, do ponto de vista da forma, agora que está concluída a primeira semana de debates.

“Os extremos tocam-se” é uma frase que se aplica na perfeição aos comportamentos de Paulo Portas, do CDS-PP, e Francisco Louça, do Bloco de Esquerda. Ambos excelentes oradores, de palavra fácil e resposta pronta, equivaleram-se, nos confrontos já realizados, em eficácia e capacidade comunicativa, em empenho e entusiasmo oratórios. Também na preparação dos temas que foram debatidos.

Manuela Ferreira Leite, do PSD, e Jerónimo de Sousa, do PCP, têm estado lado a lado: no cinzentismo, na falta de entusiasmo nos debates, e na pouca expressividade comunicativa. Jerónimo consegue mesmo estar pior que Manuela Ferreira Leite, já que tem o hábito de falar a olhar para a mesa… como se os eleitores estivessem debaixo da dita, e não por trás das câmaras que o filmam. A timidez de Jerónimo de Sousa no relacionamento com as câmaras de televisão é notória.

José Sócrates, do PS, foi o líder que mais evoluiu. Ombreando com Paulo Portas e Francisco Louça, na capacidade comunicativa, nos dotes oratórios, no entusiasmo do discurso e na preparação dos temas em debate, deixou de ser o entrevistado truculento, agressivo e, por vezes, nervoso em excesso, que foi em debates anteriores e recentes. A evolução é notória e extremamente positiva para os interesses e objectivos do Partido Socialista.

Em termos de classificação, numa escala de zero a vinte, diremos que José Sócrates obtém 18 valores, Paulo Portas e Francisco Louça 16 valores, cada, Manuela Ferreira Leite 9 valores, e Jerónimo de Sousa 8 valores.

JOAQUIM ANTÓNIO - Associado da ALTERNATIVA

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

A TERRA, NOSSO PLANETA

A Terra é a nossa “casa” em movimento no espaço e, pelo que se sabe até hoje, é o único planeta do sistema solar com vida. É também o terceiro planeta mais próximo do sol e pertencente ao sistema solar, que compreende os planetas seguintes: Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano e Neptuno; tem aproximadamente a forma esférica, sendo achatada nos pólos. Encontra-se numa zona onde o calor proveniente do Sol é o adequado para que a possamos habitar.

O interior da Terra é constituído por um núcleo que contém metais, como o ferro e o níquel. O material do interior da Terra atinge temperaturas de 5270 K (4 996,85 ºC) e chega frequentemente à superfície através de erupções vulcânicas.

Este planeta que habitamos é conhecido por planeta azul porque tem 70% da sua superfície coberta de água.

A parte exterior da crosta Terrestre é formada pelos continentes e pelos oceanos. Está envolvida por uma camada gasosa, a atmosfera, que é constituída essencialmente por azoto e oxigénio. Esta camada ajuda a filtrar as radiações nocivas do sol e não deixa escapar todo o calor que dele recebe; também nos protege do impacto de meteoróides. A nossa atmosfera contém ozono nas camadas mais altas; este é um gás que impede que parte da luz ultravioleta, proveniente do sol nos atinja; o ozono forma uma camada protectora, pois se todas as radiações ultravioletas, provenientes do sol, chegassem ao planeta Terra, seriam suficientes para matar todos os seres vivos aí existentes.

Nem sempre a atmosfera foi assim; há cerca de 4,5 mil milhões de anos, quando a Terra se formou, não havia oxigénio. Julga-se que antigos vulcões emitiram vapor de água e dióxido de carbono, em quantidades tais, que o arrefecimento desse vapor de água deu origem aos oceanos. Também, a acção da luz solar sobre o vapor de água fez aparecer o oxigénio na atmosfera. Pensa-se que a partir da água dos oceanos e do dióxido de carbono se formaram, por acção da luz solar, os primeiros seres vivos, que inicialmente eram unicelulares, dando origem, mais tarde, a seres multicelulares mais complexos e capazes de respirar.

O facto de a Terra possuir uma atmosfera e de se encontrar a uma distância adequada do sol, fazem com que esta seja o único planeta que tem água no estado líquido e uma temperatura que permite a existência da vida tal como a conhecemos. Pensa-se que o aparecimento de vida na Terra se deu há 3 800 000 000 de anos, isto é, há quase 4 mil milhões de anos enquanto a Terra se terá formado há cerca de 5 mil milhões de anos. A formação do Universo terá 15 mil milhões de anos.

A medida do nosso planeta foi obtida há mais de 2 000 anos por um sábio Grego (Eratóstenes); o diâmetro equatorial é de 12 756 Km; está a uma distância média do Sol de 1,0 UA (149,6 milhões de Km). A sua massa é de 6x1024 Kg.

A Terra tem dois movimentos: o movimento de translação, em que se move à volta do Sol, segundo uma órbita elíptica, e o movimento de rotação, em volta de um eixo imaginário que atravessa o planeta de pólo a pólo, rodando em torno de si mesma e em sentido directo que é o sentido contrário ao do movimento dos ponteiros de um relógio.

A Terra efectua uma rotação completa em aproximadamente 24 h (período de rotação) e no seu movimento de translação completa uma volta em 365,25 dias ou seja, 365 dias e 6 horas (período de translação).

As temperaturas à superfície da Terra vão de -70 a 55 ºCelsius sendo a sua temperatura média de 14 a 15 ºC. Tem um único satélite a que chamamos Lua.

Rosa Maria Campos - Associada da ALTERNATIVA, que seguidamente apresenta a sua identidade, referida ao Cosmos

Cidade- Coimbra

País- Portugal

Continente- Europa

Planeta- Terra

Sistema Planetário- Sistema Solar

Galáxia- Via Láctea

Enxame de Galáxias- Grupo Local

Universo

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A RENDA E O BUREL

Há sempre os ganhadores e os perdedores, uns fazem-se à custa dos outros. -Sto Agostinho

Alguém se dirige ao anónimo e todos desviam o olhar, depois a atenção e por fim a fala…

O louvor intumesce a cauda ao "pavão", proclama com mestria de oratória o louvado e, eis então, que este chega à ribalta num ápice, consagrado pelo aplauso colectivo.

Convencidos da vida existem afinal por toda a parte, em todos e, por todos os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da superioridade das suas obras, que sabem manobrar, em prol da sua finalidade, ávidos de projecção social.

Hoje surgem às centenas em tudo quanto é lugar: na política, no trabalho, na TV e jornais, no ginásio, no café e até nas obras sociais…

Culto do ego, ou idolatria social?

Converteu-se então numa generalidade esta presunção, ao ponto de se transformar numa característica adquirida, sob forma de litigância social. É fomentada no seio de muitas famílias, que cultivam a "petulância", entendendo-a como arma de defesa da sua posição civil. Uma boa postura, um bom ar e um toque de cultura, dissimulada na exibição de um canudo, ajudam a criar um “super-ego”, ocultando fraquezas da penumbra daquele que se quer alardear.

Depois, é só treinar, praticando o auto-convencimento, como forma de acreditar que se é capaz, numa "performance" hábil, em prol da sua vaidade.

Quem não os vê por aí?

No corre-corre diário, o convencido da vida não é um pernóstico à toa. Ele quer extrair da sua vaidade não gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes…

Os epítetos arcaicos da nobiliarquia foram substituídos pela antonomásia expressa pelo “Dr.” e vai-se perdendo a individualidade, para se globalizar um sectarismo de sujeitos abrangidos por aquela metonímica que fez deles homens doutos e, portanto, com direito tácito a proeminência nalgumas sociedades actuais, herdeiras das culturas clássicas de organizações sócias demasiado estruturadas, com um Antigo regime tardio.

Prevalece assim o fervor dos títulos, arreigados a uma tradição de exuberância, cujos trajos “de luzes” têm ofuscado os comuns, funcionando como um disfarce que dominou os pelintras face à fidalguia, que ostentava o brasão, ou os “futricas,” em relação aos homens da “beca” no século XIX, portadores de insígnias com prerrogativas nobiliárquicas”.

Mas, quando a máscara da vaidade cai...fica-se nu, como todos vieram ao mundo, como todos haverão de partir dele!

É o disfarce que nos faz passar incólumes por entre as gentes, dá-nos força, acalenta os nossos dias, faz-nos reconhecidos na colectividade, espanta-nos os medos, convence-nos da superioridade, cultiva a soberba.

A realidade é uma luz fria, sem socapas iluminadas pelas gambiarras sociais, que tanto mais cintilam quanto mais variadas e potentes forem as acendalhas, contrapondo o homo vitroviano, a cru, anatómico.

"Ver claro é não agir", escreveu Fernando Pessoa Porém, poucos vislumbram com clareza, por isso encontram no espavento de um cognome, a melhor “muleta” um mérito, tantas vezes oco.

“Nem que essa grandeza possa ser breve…. Praticam uns com os outros apenas um “espelhismo” lisonjeador… “ - Alexandre O'Neill


MARGARIDA VIZEU - Associada da Alternativa