sexta-feira, 25 de setembro de 2009

ESTRATÉGIAS FEMININAS NUMA RELAÇÃO CONJUGAL DE CONVENIÊNCIA

A propósito do eterno lamento feminino sobre a vida conjugal, pautada pela indiferença do companheiro, sem estarmos a falar de violência doméstica, surgiu-nos à memória uma obra, The Voyage of John Huyghen Van Linschoten to the East Indies, escrita pelo holandês John Huyghen Van Linschoten, no longínquo ano de 1598. Este homem viveu em Goa durante vários anos, muito próximo das autoridades portuguesas (vice-rei e bispo), tendo recolhido abundante informação relativa a negócios, redes marítimas de comércio, hábitos e costumes portugueses, entre outras. Obviamente, como bom patriota, passou a mesma às cúpulas políticas e mercantis holandesas, que as souberam aproveitar de forma magistral para fazer a sua entrada no Mar da China e Sudeste Asiático, deixando a gente lusa numa situação bem subalterna na geografia dos negócios. Numa análise imparcial e tendenciosamente justa, devemos fazer referência às atitudes holandesas por aquelas latitudes, que souberam conjugar esforços, conhecimentos e imaginação. O azar para o lado português – para não falar em azelhice – saiu reforçado com o espírito de observação e acuidade auditiva do tal holandês, rival infiltrado nas hostes portuguesas de então.

As manobras de êxito holandês e os desaires portugueses em terras do outro lado do mundo não vêm agora ao caso, mas sim aspectos de os destros documentos, redigidos por Linschoten. Dizia ele, informando sobre hábitos e costumes femininos que iam desde o hábito – que classificaríamos hoje de péssimo – de mascar as folhas de bétel, para uma verdadeira assepsia da boca, até às estratégias femininas para obter alguma recompensa na vida íntima, sempre tão distante e fria de prazeres e afectos. Neste último campo, as infelizes casavam sempre por decisão familiar, decisão motivada pelo desejo sincero de as ver amparadas, uma vez que os parentes masculinos falecessem, ou para estabelecerem alianças entre as famílias. Elas seriam assim como um valor de troca, que se dispunha consoante os interesses familiares. Desta forma, o feminino arranjou formas de garantir algum consolo nas tardes e noites de solidão, isto partindo do princípio que as manhãs eram utilizadas para o trabalho. Assim, as ditas mulheres, que o holandês chama a atenção para o facto de haver portuguesas entre elas, utilizavam certas ervas, que se destinavam a esconder situações de adultério. O elemento vegetal em questão era a erva Dhattura (planta espontânea em quase toda a zona da Índia, igualmente chamada de figueira-do-diabo ou erva-dos-feitiços) que, uma vez ingerida, fazia com que a pessoa ficasse num estado hilariante, perdendo a consciência do que se passava à sua volta. Mesmo posteriormente, após a recuperação – espontânea ou se a face fosse molhada com água fria – e a eliminação dos efeitos nocivos da droga, não tinham memória do que lhes haviam feito ou dito. Nesses momentos de ausência momentânea, as mulheres aproveitavam então para se encontrarem com os seus amantes, para escarnecerem dos seus maridos ou até mesmo para os matar, atribuindo culpas aos seus apaixonados. Nem sempre essas mortes eram premeditadas, pois a dita erva tinha de ser utilizada com conta, peso e medida, dada a sua toxicidade. Uma folha a mais podia provocar a morte, inadvertidamente, e nem sempre valia a pena eliminar o cônjuge, pois este garantia-lhes o sustento e conforto de lar. Buscavam, essas mulheres o afecto, o prazer e a satisfação íntima, possível.

Tais situações já não se colocam nos nossos dias, pois o estatuto feminino mudou. No entanto, muitas mulheres continuam a viver situações que as levam ao eterno lamento que referimos, no início do texto. Isso leva-nos a pensar que se a erva Dhattura existisse pelos jardins, quintais e vasos de plantas ornamentais caseiras, poderia ser utilizada tão frequentemente quanto era em Goa nos finais do século XVI ?!

      BURNELL, Arthur Coke - Linschoten, John Huyghen Van, The Voyage of John Huyghen Van Linschoten to the East Indies (1598). New Delhi: Asian Educational Services, 1988, Vols. I e II.

ANABELA MONTEIRO - Associada da ALTERNATIVA

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