quarta-feira, 30 de setembro de 2009

DARWIN


Darwin nasceu há 200 anos e quando tinha 50 anos publicou a sua obra prima: A Origem das Espécies por selecção natural…. Nesta obra, vinda a público em 24 de Novembro de 1859, Darwin operou uma revolução científica, apresentando-a como “um longo argumento” a favor de um novo paradigma da história natural, a teoria da descendência com modificações por selecção natural. Na teoria darwiniana, as espécies vegetais e as espécies animais, incluindo a espécie humana, reproduzem-se tão rápida e abundantemente que a luta pela vida é inevitável: luta entre indivíduos da mesma espécie, luta entre indivíduos de espécies diferentes, luta com as condições físicas da vida. É o poder de multiplicação das espécies que gera a luta donde resulta a sobrevivência dos mais aptos e a eliminação dos menos aptos, ou seja, a selecção natural das variações vantajosas e consequentemente a evolução adaptativa. A luta é fundamental mas a matéria prima sobre a qual opera a selecção natural é a variação. A selecção natural é muito mais do que um mecanismo de preservação das variações individuais favoráveis ao processo adaptativo e eliminação das variações nocivas; é um poder criador sem projecto apriorístico tal como é notório no diagrama da árvore da vida construído por Charles Darwin.

Recorrendo a uma obra marcante de François Jacob, O jogo dos possíveis. Ensaio sobre a diversidade do mundo vivo ( Lisboa, Gradiva, 1985) e que merecia uma nova edição em português, diremos que as variações são integradas e dispostas "em conjuntos adaptativamente coerentes, ajustados durante milhões de anos e milhões de gerações, em resposta ao desafio do meio ambiente. É a selecção natural que […] lentamente, progressivamente, elabora estruturas cada vez mais complexas, órgãos novos, espécies novas"(p. 34). Na "bricolagem da evolução"(p. 57-97), os factores decisivos são a aleatoriedade das variações e a constante interacção dos organismos com o meio e é este jogo atravessado pela contingência que estrutura toda a história da vida. Pelo exposto compreende-se que a teoria da descendência com modificações por selecção natural se demarca dos teleologismos vitalistas, quer das teorias transformistas anteriores, quer do fixismo essencialista tradicional. No dizer de François Jacob "a concepção darwiniana tem, por isso, uma consequência fatal: o mundo vivo actual, tal como o vemos à nossa volta, é apenas um entre muitos possíveis. (…) Poderia muito bem ser diferente. Poderia mesmo não existir"( p.34-35).

Darwin constata a luta dos seres vivos entre si, pelo território, pelo alimento, pela descendência, sendo a sobrevivência dos mais aptos (selecção natural), isto é, daqueles que apresentam variações úteis e vantajosas, o alicerce da diferenciação genealógica por divergência e isolamento. No paradigma darwiniano, o mundo vivo não traz as marcas da necessidade e da harmonia perfectibilista nem é o único/o melhor dos mundos possíveis, como acontece no transformismo de Lamarck. Traz sim as marcas da aleatoriedade, da contingência, da imprevisibilidade, da imperfeição e do improviso. Meio século depois da Philosophie Zoologique (1809) de Lamarck, o paradigma darwiniano revoluciona tanto o criacionismo essencialista como o transformismo lamarckiano.

A revolução científica de Darwin foi possível graças a um conjunto de factores de natureza diversa, entre os quais, sem dúvida, temos de sublinhar os progressos realizados nas ciências da terra e da vida, na primeira metade do século XIX. É o caso dos Principles of geology (1830-1832), de Charles Lyell e da sua doutrina das causas actuais ou actualismo/uniformitarismo. Um bom nível de conhecimentos de geologia, biogeografia, paleontologia, embriologia e outras, a viagem do Beagle, o princípio da população de Malthus, a ansiedade provocada pelo texto do naturalista A. R. Wallace em 1858, o génio de Darwin, eis alguns dos factores mais apontados para explicar a revolução darwiniana nas ciências da vida e do homem. Como nas revoluções científicas operadas por Newton em 1687, por Planck em 1900, por Einstein em 1905, também Darwin demorou cerca de vinte anos (1839-1859) a construir e a tornar pública a teoria da descendência com modificações por selecção natural. A sua obra A Origem das espécies difundiu-se por todo o mundo em onze línguas até à morte de Darwin em 1882, e num total de vinte e nove línguas até 1977. Cerca de 12 anos depois, Charles Darwin aprofunda o "longo argumento" de 1859, particularmente em relação à espécie humana, em A Origem do homem (The descent of man, and selection in relation to sex, 1871) e A expressão das emoções (The expression of the emotions in man and animals, 1872). Na nossa perspectiva, Charles Darwin, mesmo reconhecendo e afirmando o seu desconhecimento das leis da hereditariedade, continua nestas obras um imenso trabalho de argumentação a favor da teoria da descendência com modificações por selecção natural, mais conhecida por teoria da evolução.

Júlio Augusto Henriques, Professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, foi o introdutor de Darwin em Portugal com duas obras publicadas pela Imprensa da Universidade de Coimbra em 1865 e 1866 e que se intitulam, respectivamente, As espécies são mudáveis?; Antiguidade do Homem. Nos seus trabalhos, o futuro director do Jardim Botânico da Universidade de Coimbra, analisa todas as provas da teoria darwiniana: as provas geológicas, paleontológicas e biogeográficas, as provas da anatomia comparada, da morfologia e da embriologia disponíveis na época; as ilações tiradas da selecção artificial e do hibridismo, etc. Também revela que inteligiu fielmente a ideia darwiniana de evolução, não a confundindo com a ideia de progresso necessário e teleológico, nem vendo no seu mecanismo — a selecção natural — algum demiurgo com intentos pré-determinados. Na sua Antiguidade do homem (1866), escreve: "Nenhum acontecimento notável, nenhuma circunstância extraordinária acompanhou a aparição do homem. Já a maior parte da flora actual existia, bem como muitos dos animais, que hoje se conhecem. Não foi necessária nenhuma dessas grandes revoluções que a geologia imagina. No decorrer do tempo, num momento da vida da terra, apareceu ele como milhares de seres que o tinham precedido, para talvez desaparecer, como desapareceram muitos animais seus contemporâneos nos primeiros tempos, e como muitos que hoje vão desaparecendo". Júlio Augusto Henriques compreendeu cientificamente o homem como um ser vivo entre os demais seres vivos, animais ou plantas, que, como eles, não tem algum "destino", mas uma existência precária ameaçada por múltiplas contingências.

ANA LEONOR PEREIRA - Associada da ALTERNATIVA

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